Reflexões sobre equilíbrio no trabalho, a partir da leitura do livro: Primeiro eu tive que morrer, de Lorena Portela.
Qual espaço o trabalho ocupa na sua vida? | Reflexões sobre equilíbrio no trabalho
Recentemente li o livro de estreia da escritora Lorena Portela "Primeiro eu tive que morrer" e o impacto foi enorme. Vou trazer aqui, pequenos trechos do livro que contextualizam bem a realidade da protagonista e eles servirão de base para reflexão que proponho sobre equilíbrio no trabalho.
A protagonista da história é uma jovem publicitária, que até seus 30 anos construiu uma carreira de sucesso, com prêmios e reconhecimento. Entretanto, isso lhe custou o abandono da sua qualidade de vida, relações saudáveis, convivência com família e amigos, saúde física e mental.
Durante anos ela priorizou o trabalho, se dedicando incondicionalmente, com a ambição de ser reconhecida e o desejo de que um dia se sentiria realizada. Mas quando tudo é feito em excesso a motivação some e tudo fica mais custoso…
"Quando o volume de trabalho aumentava, eu me entregava. [...] Em alguns momentos, eu me animei, achando que poderia ganhar essa briga. Depois de um tempo, eu não estava mais preocupada em ganhar briga nenhuma, eu só não queria desistir".
"Ser boa numa coisa e passar a ganhar um salário decente com isso roubou a minha noção de felicidade. Eu passei a me acomodar com aquilo porque era o que eu sabia fazer".
Nesse contexto os limites saudáveis foram quebrados e ela só conseguia enxergar o trabalho que precisava ser feito. Mas não se engane, não se tratava de uma viciada em trabalho, não. Foram a soma dos pequenos excessos que a fizeram chegar no seu limite. Pequenas atitudes que no momento pareciam inofensivas, situações isoladas…
"Para não desistir, eu trabalhava doente, com cólicas delirantes [...], com problemas graves na família, com dor de barriga, com relacionamento fodido. Já havia chorado no banheiro, já havia vomitado de nervoso…".
E assim, ao longo de meses de descuido com si mesma, a conta chegou. Não que ela tenha se dado conta, mas porque pessoas queridas a alertaram e se mobilizaram para fazê-la parar:
"Até que, certo dia, chegou a mim a notícia de que precisava de uma pausa. [...] A sugestão, na verdade, veio da Denise, minha amiga terapeuta, e de meia dúzia de outras amigas preocupadas com os meus aparentes cansaços físico e mental, com meu distanciamento por conta do trabalho, com minhas olheiras e perda de peso".
De início ela não aceita, não entende. Depois, até concorda que possa ser bom dar um tempo. Mas, a partir do momento que consegue negociar um período de afastamento do trabalho para cuidar da saúde, já se sente culpada. Por consequência passa a trabalhar ainda mais, para adiantar tudo que pode antes de sair, causando o menor impacto possível (para a empresa claro):
"Eu só conseguia pensar na avalanche de trabalho que chegava à minha mesa e na minha obrigação de fazer tudo, de trabalhar dobrado, de ultrapassar meu limite porque, enfim, meu chefe tinha sido generoso o suficiente para me dar longos dias de 'recesso'".
Engraçado, muito parecido com o período pré-férias de muitos profissionais, né? Enfim, a história se desenrola até que ela finalmente consegue sair para o recesso, completamente esgotada. E o balanço desse momento é esse aqui:
"Aos 30 anos, eu teria outra "estreia" importante: a primeira vez que eu ficaria sem fazer nada porque meu corpo não suportava. Três décadas de vida e eu já tinha judiado de mim o bastante para ter que parar. Ou morrer".
A partir daí uma narrativa linda de autoconhecimento e recomeço acontece, que você vai ter que ler o livro pra conhecer 😊😉
Mas, o que quero abordar aqui é o que fez a protagonista chegar ao esgotamento: ela vivia para o trabalho. Exercer a profissão ganhou uma proporção tão grande na vida dela que nada era mais importante.
Qual espaço o trabalho ocupa na sua vida?
Motivada pelo desejo de sucesso, em que quem faz mais é quem ganha o status (será?). O objetivo era sempre crescer, ganhar prêmios, ser a melhor… mas por que mesmo? Ao chegar num marco traçado, automaticamente outro mais a frente era criado e a corrida continuava incessante, sem tempo e energia para pelo menos comemorar a conquista. Colocando o trabalho como a principal realização sempre.
Seja por exigências externas de dedicação e comprometimento ou pela falácia do alto rendimento em que é possível fazer tudo, o tempo todo, para todo mundo. Ela se sentia tão responsável por suas atividades, que tinha a crença de que se ela não as fizesse, ninguém mais ia fazer e se não fosse feito, certamente o mundo iria acabar. O tal senso de dono aflorava o sentimento genuíno de comprometimento, como se aquela tarefa só dependesse dela. Quem nunca?
Entendo ser nessas situações, que profissionais super dedicados, se entregam e vão além do limite daquilo que é de fato sua responsabilidade, como também, dos seus limites físicos e emocionais. Sendo que na maioria das vezes isso não é nem reconhecido como deveria, ou seja, financeiramente. Em alguns casos o que chega é o tapinha nas costas e o tal do salário emocional, que pode ser muito legal, mas que não pagam boletos.
Portanto, quando falamos de equilíbrio no trabalho, é fundamental falarmos sobre o tamanho que o trabalho ocupa nas nossas vidas. Porque às vezes ele ocupa um espaço tão grande, a ponto de qualquer outro interesse ser abandonado pela falta de tempo e energia. Lógico que temos que trabalhar e que ótimo, que algumas pessoas têm o privilégio de trabalhar com o que gosta em um ambiente bacana. Mas, trabalhar não é tudo que podemos fazer na vida e não é – ou não deveria ser – o nosso volume de trabalho que determina o nosso valor.
Como e por que colocamos, tão facilmente, o trabalho em primeiro lugar?
"Ah, porque tenho que pagar contas e não posso perder meu emprego", talvez você pense. Mas, sinto em dizer que até mesmo diante da maior dificuldade, o excesso de trabalho, aquele que te esgota e adoece, não compensa. Afinal, você não é uma máquina, seu corpo sente e em algum momento vai reclamar. E aí, ao invés de pequenas pausas, pode ser que você tenha que parar de vez.
Eventualmente imprevistos acontecem e pode, sim, ser necessário e fazer sentido uma dedicação extra. Também compreendo e concordo que se comprometer com um trabalho ou projeto, alinhado com nossos objetivos e ambição de crescimento, faz naturalmente nos dedicarmos um pouco a mais. Afinal acreditamos e temos objetivos a alcançar com ele.
Mas, o que trato aqui é de uma dedicação exagerada. Aquela que faz você trabalhar todos os dias até mais tarde, trabalhar nos finais de semana e feriados, atender telefone nas férias, sem ganhar nada a mais por isso e/ou sem o deslumbre de uma oportunidade de crescimento.
Quem nunca se viu diante de afirmativas como essas? "Só vou sair e encontrar os amigos se der pra sair no horário do trabalho". "Só vou viajar no final de semana, se não precisar trabalhar". "Só vou fazer meu exercício se não precisar chegar mais cedo no trabalho". "Só vou almoçar naquele restaurante legal se a reunião não se estender".
Vivemos em um mundo de produtividade constante onde o rendimento determina quão bom somos. Tanto, que quando o tema de autocuidado e saúde mental chegou às empresas – por conta de muitas pessoas exaustas, ansiosas e doentes por excesso de trabalho – foi motivado pela produtividade: descanse, durma bem, faça exercício, pois assim você vai render mais no trabalho. Dentre essas armadilhas, em que o lazer e a descompressão foram descobertos como combustíveis para a produção, videogames, pets e geladeiras com cerveja foram parar dentro do escritório. Talvez para manter os colaboradores mais tempo lá (?!).
Quando, na verdade, o que importa é a qualidade do tempo dedicado ao trabalho e a vida pessoal. Se no tempo em que estiver no trabalho cada um realmente focar em realizar suas atividades, de maneira organizada e dedicada, provavelmente não precisará ficar até mais tarde nem chegar mais cedo. Cumprir tarefas e prazos de maneira satisfatória para o profissional e para a empresa, não dependem de sacrificar feriados e finais de semana.
Agora, se sempre falta tempo para realizar as atividades, talvez o volume de trabalho seja desproporcional à capacidade de entrega. E aí estamos falando de um problema corporativo, que com certeza não será resolvido se o "profissional dedicado" continuar a fazer o impossível para dar conta do excesso de tarefas.
Ninguém é menos responsável, capaz ou profissional por impor limites saudáveis e justos entre tempo para o profissional e tempo para o pessoal. Pelo contrário, cada um tem uma vida e interesses que também precisam de tempo e energia para serem experienciados.
Ser um bom profissional não significa viver na empresa nem viver para a empresa.
E o ideal seria não esperar precisar parar para então, tomar a iniciativa de criar seus limites. Repensar a rotina, encaixar momentos de lazer, de encontros com família e amigos, ficar mais consigo e desenvolver um passatempo. São pequenas atitudes que podem contribuir muito com seu bem-estar, saúde mental e trará outras realizações e prazeres para sua vida. Tirando o injusto peso colocado no trabalho de trazer toda a realização que você precisa.
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